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CASO CLÍNICO: ZUMBIDO PULSÁTIL

Paciente 33 anos, sexo feminino.

HDA = Queixa de zumbido pulsátil há 4 anos em ouvido direito após crise forte de cefaleia hemicraniana direita associada a perda visual, mais acentuada do lado direito (sintomas transitórios). Embora já tivesse tido outras crises de dores de cabeça, essa foi a mais forte e demorou cerca de 3 dias para melhorar, mesmo sob medicação endovenosa. Na época tratou como neurite do nervo óptico com colírio. A vista melhorou, mas ainda tem crises de dores de cabeça de média intensidade, cerca de 4 vezes por semana. O zumbido persiste desde então. Nega surdez, tontura ou plenitude auricular.

Características do zumbido = O barulho é rítmico. Faz “chuuu, chuuu, chuuu”. Entretanto não é sincrônico com as batidas do coração. Lembra o som da respiração quando estamos “inspirando e expirando”. Piora com stress, no silêncio e ao virar a cabeça para o lado esquerdo. Melhora com sons ambientes, TV ligada e ao apertar o músculo esternocleidomastoideo à direita. Prefere dormir para o lado direito com o pescoço flexionado no travesseiro, consegue dessa forma abafar o som. Nega hiperacusia.

Achados positivos = Não dorme bem independente do zumbido (vários despertares noturnos). Compulsão por doces. Toma muito café (1 garrafa por dia). Cervicalgia de origem muscular. Ovários policísticos, obesidade, tireopatia. Uso de placa de mordida há 3 meses sem mudança no zumbido.

Exames anteriores a essa consulta = RM encéfalo mostra “Poucas áreas de gliose na substância branca”. US tireóide evidencia alteração ecotextural difusa (sugestivo de tireoidite de Hashimoto) e nódulo em lobo direito.

Exame físico ORL = Otoscopia normal. Pesquisa de pares cranianos sem alterações. Zumbido pulsátil não audível durante ausculta com estetoscópio em regiões jugular e carotídea do pescoço, ao redor da orelha e em região orbicular.

Teste somático e pesquisa de pontos-gatilho = Zumbido aumenta ao apertar os dentes com força e reduz um pouco à abertura ampla da boca. Na palpação de moderada a forte intensidade do músculo esternocleidomastoideo direito o zumbido desaparece.

THI = 46 (funcional 18, emocional 18, catastrófico 10);

EVA do incômodo do zumbido = 6

Paciente foi orientada quanto à dieta, atividade física e solicitado exames.

  • Audiometria = discreta perda auditiva sensorioneural em graves, um pouco maior à direita, imitanciometria normal. Reflexos presentes. Índice percentual de reconhecimento de fala satisfatório.

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  • Audiometria de Altas Frequências e LDL = limiares auditivos em altas frequências e Limiar de Desconforto a Sons normais.

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  • TC Ossos Temporais = Tênue hipoatenuação na cápsula ótica direita sugestiva de fenda coclear. Afilamento da cobertura óssea apical do canal semicircular superior direito. Deiscência focal do canal semicircular superior esquerdo. Bulbo jugular direito alto, deiscente para o aqueduto vestibular. Sela turca parcialmente vazia (mais evidente na imagem do exame de ressonância magnética abaixo, seta vermelha) e granulações aracnóideas nos assoalhos das fossas temporais e notadamente nas margens superiores das pirâmides petrosas (junto aos cavos de Meckel), sem alterações evidentes do sistema ventricular, tais achados, embora inespecíficos, podem estar relacionados a hipertensão intracraniana idiopática.

  • Exame de Líquor com Manometria:

  • Pressão inicial aumentada 42, final 22 (normal seria de 5-20cm H2O em decúbito lateral, região lombar)

  • Demais parâmetros do líquor normais, inclusive bacterioscopia e eletroforese de proteínas com vemos a seguir:

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  • Fundoscopia = papiledema presente

  • Angio-RM arterial e venosa intracraniana e Angio-RM arterial cervical = Sinais de hipertensão intracraniana caracterizados por distensão da bainha liquórica dos nervos ópticos e discreta retificação posterior dos globos oculares, além de insinuação de conteúdo liquórico para o interior da cavidade selar. Associam-se afilamentos focais de transição dos seios transversos com os seios sigmoides bilaterais. Pequenas meningoceles do cavo de Meckel na porção petrosa do osso temporal direito.

  • RM Ossos Temporais com contraste = Bulbo jugular direito alto e Sela turca parcialmente vazia (seta vermelha).

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  • Após confirmação diagnóstica da Hipertensão Intracraniana Benigna iniciou-se tratamento com Acetazolamida 250 mg 3x/dia. Após avaliação da clínica neurocirúrgica dosagem foi ajustada para Acetazolamida 250mg 4x/dia.

  • Paralelamente a paciente fez agulhamento a seco (6 sessões) para tratar a cervicalgia de origem muscular. Recebeu orientações sobre exercícios e postura. Apresentou melhora da tensão cervical.

  • Paciente perdeu 30kg em 18 meses com dieta e atividade física, diminuiu doces, café e não dorme mais de televisão ligada.

  • Refere grande melhora no incômodo do zumbido na percepção da paciente. THI = 46 na primeira consulta (agosto de 2019). THI = 12 (funcional 4, emocional 8, catastrófico 0) na última consulta (fevereiro 2021). Portanto paciente apresentou melhora de 34 pontos. Na última consulta EVA do incômodo do zumbido =4.

  • Em avaliação com a clínica neurocirúrgica (2º semestre de 2020) foi indicado cirurgia de derivação liquórica. Infelizmente por causa da pandemia foi decidido esperar o momento mais apropriado.

  • SOBRE A HIPERTENSÃO INTRACRANIANA IDIOPÁTICA:

  • Mais comum em mulheres jovens, obesas, em idade fértil. Incide em média 1 a 2 casos em cada 100.000 pessoas. A hipertensão intracraniana idiopática ou pseudotumor cerebral ocorre quando há um aumento da pressão intracraniana, por aumento da pressão liquórica, na ausência de tumor verdadeiro, sem causa definida. Os sintomas são dores de cabeça persistentes, em geral associadas a alterações visuais uni ou bilaterais (turvação visual, diplopia e até cegueira). Essas ocorrem por compressão do nervo óptico e pioram em decúbito dorsal. O exame de fundo de olho mostra sinais de sofrimento do nervo óptico e ou papiledema, achados bem característicos. O zumbido pulsátil é comumente relatado, em geral unilateral e descrito como sibilante. Outros sintomas como fotofobia, dor na nuca, nictúria, alteração de cognicção podem ocorrer, mas são menos frequentes. Um achado recorrente é a sela turca parcial ou totalmente vazia em exames de imagem de crânio. Exames de angioressonância arterial e venosa do crânio são importantes para descartar malformações ou alterações vasculares associadas. O exame de líquor com manometria é fundamental para detectarmos a pressão liquórica aumentada, sem apresentar outras anormalidades na sua composição. O tratamento recomendado é a acetazolamida que pode ser associada a outros diuréticos, quando sozinha não é eficaz no controle pressórico. Além disso a perda de peso faz parte das estratégias terapêuticas. Em casos de insucesso, as cirurgias mais indicadas são as de fenestração dos nervos ópticos e de derivação liquórica.

  • BIBLIOGRAFIA:

  • Burkett JG, Ailani J. An Up to Date Review of Pseudotumor Cerebri Syndrome. Curr Neurol Neurosci Rep 2018;18(6):33.

  • Friedman DI. Contemporary management of the pseudotumor cerebri syndrome. Expert Rev Neurother 2019;19(9):881-893.

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